Em busca de um novo regime de inflação
Indosuez 2024 Global Outlook - download aqui
2022 foi um ano de choques, na inflação e nas taxas de juros dos bancos centrais. Já 2023 foi também um ano de choque, mas desta vez na renda fixa, e isso apesar de uma surpreendente resiliência da economia norte-americana. De fato, após o Federal Reserve (Fed) ter realizado o ciclo de aperto mais acelerado em quatro décadas, a recessão parecia inevitável. Em janeiro de 2023, a previsão para o PIB norte-americano estava em 0,3%. Agora, em base anual, deverá terminar em 2,3%. Nunca caímos no campo do pessimismo, passando de uma leve contração para uma estabilização do crescimento em 1,2% para 2024. Ao longo do ano, o consumo norte-americano permaneceu extremamente resiliente, graças ao excesso de poupança, ao crescimento salarial acima da inflação, e ao vento favorável do mercado de trabalho
RUMO A UM NOVO EQUILÍBRIO
No crepúsculo da Grande Crise Financeira de 2008, foi o despertar de uma nova era, de inflação baixa, taxas de juros baixas a negativas, além da previsibilidade da política dos bancos centrais, e parecia que iria durar para sempre. Para citar o economista alemão Rüdiger Dornbusch: “Na economia, as coisas demoram mais para acontecer do que você pensa. Mas, então, acontecem mais rápido do que você pensou que poderiam”. O ajuste brutal que ocorreu após a crise da COVID-19 trouxe consigo um forte retorno da inflação. Porque não previram, ou porque foram “cegos” e não quiseram ver, os bancos centrais se precipitaram em uma luta desesperada. Isto levou a um surpreendente total de 520 aumentos de taxas de juros no mundo nos últimos 24 meses.
Nos mercados financeiros, e pelo terceiro ano consecutivo, a vítima foi o mercado de renda fixa. Os títulos do Tesouro dos Estados Unidos, especialmente os de longo prazo, tornaram-se ativos de risco, cujas características de retorno de preço subitamente ficaram parecidas com as das ações. Por exemplo, o instrumento financeiro TLT, que busca acompanhar os resultados de um índice composto por títulos do Tesouro com vencimentos remanescentes superiores a 20 anos, perdeu mais de metade do seu valor desde 2020. Um título da dívida pública emitido em 2020 pela Áustria, com vencimento de 100 anos e cupom de 0,75%, teve perdas de cerca de 70% em 2023.
No entanto, isso representa uma grande oportunidade de investimento. Agora, a renda fixa oferece os muito necessários rendimentos atraentes. Para tirar proveito desta situação, os investidores investiram uma quantidade substancial de dinheiro: os ativos do TLT acima mencionado dobraram no mesmo período. Porém, a parte média da curva, em torno de 5 anos, continua a ser um ponto ideal de rendimento atraente, e com menor volatilidade dos preços.
O CUSTO DE UM TRILHÃO
Olhando para 2024, o enorme montante da dívida pública passará a ser um ponto focal de atenção. No momento em que redigimos este editorial, os Estados Unidos registram um déficit próximo de 34 trilhões de dólares, o que custa ao país 1 trilhão de dólares por ano, representando 14% do orçamento federal: a situação é claramente insustentável. As taxas de juros terão que encontrar, ou provavelmente já encontraram, um limite máximo. Da mesma forma que já existe uma noção de proteção para os investidores em ações, por meio do que se chama de Fed put, também poderá surgir uma nova forma de Fed put, desta vez para os títulos de renda fixa. Tenha o nome de afrouxamento quantitativo, controle da curva de rendimentos como no Japão, intervenção de emergência como o Banco de Inglaterra em 2022, os bancos centrais nunca deixam de ser ricos em imaginação, especialmente quando se trata de estabilizar os mercados financeiros.
O processo de desinflação está em curso, mas não será linear. Um retorno à inflação baixa está fora de cogitação e uma boa dose de inflação até é desejável por parte de algumas instituições. Esta é a verdade inconveniente, e o que os bancos centrais nunca dirão oficialmente. “Construir um crescimento nominal mais elevado do PIB por meio de um nível estrutural de inflação mais alto é uma forma comprovada de se livrar de elevados níveis de dívida”, segundo o estrategista de mercado Russell Nappier. Os governos terão de promover um nível de crescimento nominal e de inflação que seja consistentemente um pouco superior às taxas de juros, de forma a reduzir o coeficiente de dívida em relação ao PIB. Desde meados de 2020, o crescimento nominal do PIB norte-americano subiu 40%. Isto também explica por que as ações dos mercados desenvolvidos, especialmente nos Estados Unidos, continuaram a ter um bom desempenho, já que as margens permanecem resilientes, as vendas das empresas acompanham a inflação e, assim, crescem numa base nominal, oferecendo alguma forma de isolamento da inflação. Essencialmente, temos de nos afastar da inflação elevada, evitar a estagflação e chegar a um regime de reflação.
Este é o tema que abordaremos nesta edição do Global Outlook com nossos especialistas. A compreensão das implicações de um novo regime de inflação (e de crescimento) está prestes a remodelar a alocação estratégica de ativos, com títulos de renda fixa e ações encontrando um melhor equilíbrio, após anos de taxas de juros zero.
Uma última palavra sobre Meio Ambiente, Social e Governança (ESG na sigla em inglês). As necessidades da transição energética nunca foram tão relevantes, já que “é praticamente certo que 2023 será o ano mais quente já registrado”. No entanto, o financiamento sustentável está sob ataque, pois o desempenho em muitas soluções sustentáveis tem decepcionado. O “ataque ao ESG” está em toda parte. Não nos deixemos cair no campo do pessimismo. O custo da inação climática será 2 vezes superior aos investimentos necessários para conseguir a transição para a neutralidade de carbono até 2050. A oportunidade de investimento é ainda mais atraente do jeito que está.
Global Outlook de 04/12/2023 da Indosuez, excerto do Editorial do CIO Alexandre Drabowicz
18 dezembro 2023